A Capoeira Angola e seus heróis.
Para início a palavra Capoeira é de origem Tupi Guarani ou seja indígena que nada mais é que um terreno de vegetação plana onde onde antes lá pelo inverno era um roçado, era neste local onde os negros se refugiava para ali se práticar o N’golo com o pouco de tempo que dispunham. O regime escravo era violento e opressor e de alguma maneira eles precisavam relaxar a mente no domínio sobre o próprio corpo.
De uma maneira geral, a Angola é vista como a capoeira antiga, anterior à criação da Capoeira Regional.
Depoimentos obtidos junto aos velhos mestres da capoeira da Bahia lembra nomes importantíssimos na história da luta, como Traíra, Cobrinha Verde, Onça Preta, Pivô, Nagé, Samuel Preto, Daniel Noronha, Geraldo Chapeleiro, Totonho de Maré, Juvenal, Canário Pardo, Aberrê, Livino, Antônio Diabo, Bilusca, Cabelo Bom e outros.
São inúmeras as cantigas que lembram os nomes e as proezas destes capoeiristas, mantendo-os vivos na memória coletiva da capoeira. Um capoeirista de grande destaque entre os que defendiam a escola tradicional foi Mestre Waldemar da Liberdade, falecido em 1990.
Em 1940, Mestre Waldemar já conduzia a roda de capoeira que viria a ser o mais importante ponto de encontro dos capoeiristas de Salvador, aos domingos, na Liberdade. Infelizmente, na sua velhice Mestre Waldemar não teve o reconhecimento que merecia, e não foram muitos os capoeiristas mais jovens que tiveram a honra de conhecê-lo e ouvi-lo contar suas histórias. Morreu na pobreza, como outros capoeiristas célebres, como Mestre Pastinha.
Conforme foi salientado anteriormente, com o aparecimento de Mestre Bimba, iniciou-se a divisão do universo da capoeira em duas partes, em que uns se voltaram para a preservação das tradições e outros procuraram desenvolver uma capoeira mais rápida e direcionada para o combate.
Como nos informaram os velhos mestres da capoeira baiana, a expressão Capoeira Angola ou Capoeira de Angola somente surgiu após a criação da Regional, com o objetivo de se estabelecer uma designação diferente entre esta e a capoeira tradicional, já amplamente difundida. Até então não se fazia necessária a diferenciação, e o jogo se chamava simplesmente capoeira.
Sabemos que o trabalho desenvolvido por Mestre Bimba mudou os rumos da capoeira, no entanto, muitos foram os capoeiristas que se preocuparam em mostrar que a Angola não precisaria sofrer modificações técnicas, pois já continha elementos para uma eficaz defesa pessoal. Após o surgimento da Regional, portanto, iniciou-se uma polarização na capoeira baiana, opondo angoleiros e discípulos de Mestre Bimba. A cisão ficou mais intensa a partir da fundação, em 1941, do Centro Esportivo de Capoeira Angola em Salvador, sob a liderança daquele que é reconhecido como o mais importante representante desta escola, o Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha, 1889-1981).
O escritor Jorge Amado descreveu este capoeirista como “um mulato pequeno, de assombrosa agilidade, de resistência incomum. (…) Os adversários sucedem-se, um jovem, outro jovem, mais outro jovem, discípulos ou colegas de Pastinha, e ele os vence a todos e jamais se cansa, jamais perde o fôlego” (Jorge Amado, Bahia de Todos os Santos, 1966:209).
Talvez pelo fato de a Capoeira Regional ter se expandido amplamente pelo Brasil, principalmente como uma modalidade de luta, passou-se a difundir a idéia de que a Angola não dispunha de recursos para o enfrentamento, afirmando-se ainda que as antigas rodas de capoeira, anteriores a Mestre Bimba, não apresentavam situações reais de combate. Porém, os velhos mestres fazem questão de afirmar que estes ocorriam de uma forma diferente da atual, em que os lutadores se valiam mais da agilidade e da malícia – ou da “mandinga”, como se diz na capoeira – do que da força propriamente dita.
Mestre Pastinha, em seu livro Capoeira Angola, afirma que “sem dúvida, a Capoeira Angola se assemelha a uma graciosa dança onde a ‘ginga’ maliciosa mostra a extraordinária flexibilidade dos capoeiristas.
Mas, Capoeira Angola é, antes de tudo, luta e luta violenta” (Pastinha,1964:28). Sendo uma prática comum no cotidiano dos anos 30, a capoeira não exigia de seus praticantes nenhuma indumentária especial. O praticante entrava no jogo calçado e com a roupa do dia-a-dia. Nas rodas mais tradicionais, aos domingos, alguns dos capoeiristas mais destacados faziam questão de se apresentar trajando refinados ternos de linho branco, como era comum até meados deste século.
Além disso, é importante observar que tradicionalmente o ensino da antiga Capoeira Angola ocorria de maneira vivencial, isto é, de forma espontânea, sem qualquer preocupação metodológica. Os mais novos aprendiam com os capoeiristas mais experimentados diretamente, com a participação na roda.
Embora já em 1932 tenha sido fundada por Mestre Bimba a primeira academia de capoeira, o aprendizado informal desta arte-luta nas ruas das cidades brasileiras predominou até meados da década de 50. Atualmente, a maior parte dos capoeiristas refere-se à Angola como uma das formas de se jogar a capoeira, não propriamente como um estilo metodizado de capoeira.
Para os não iniciados nesta luta, é importante lembrar que a velocidade e outras características do jogo da capoeira estão diretamente relacionados com o tipo de “toque” executado pelo berimbau. Entre vários outros, existe aquele denominado toque de Angola, que tem a característica de ser lento e compassado. Dessa forma, “jogar Angola” consiste, na maioria dos casos, em jogar capoeira ao som do toque de Angola.
Este cenário, no entanto, vem mudando, com a enorme proliferação de escolas de capoeira Angola, que realizam um sério trabalho de recuperação dos fundamentos dessa modalidade. Dessa forma, a maior parte das academias e associações de capoeira do Brasil, ao realizarem suas rodas, têm o hábito de dedicar algum tempo ao jogo de Angola, que nem sempre corresponde àquilo que os antigos capoeiristas denominavam Capoeira Angola.
Atualmente, o jogo de Angola caracteriza-se por uma grande utilização das mãos como apoio no chão, e pela execução de golpes de pouca eficiência combativa, mais baixos e mais lentos, realizados com um maior efeito estético pela exploração do equilíbrio e da flexibilidade do capoeirista.
De fato, seria tarefa muito difícil reproduzir detalhadamente as movimentações e os rituais da antiga capoeira, mesmo porque ela, como qualquer instituição cultural, tem sofrido modificações ao longo de sua história. No entanto, estamos vivendo, há alguns anos, uma intensa preocupação de recuperação do saber ancestral da capoeira, através do contato com os velhos mestres.
Este fato demonstra uma saudável preocupação da comunidade da capoeira com a preservação de suas raízes históricas. Afinal, se recordarmos que a capoeira, como arte-luta que é, engloba um universo muito mais amplo que simplesmente as técnicas de luta, veremos a quantidade de informações que podem ser obtidas junto aos antigos capoeiristas, que vivenciaram inúmeras situações interessantes ao longo de muitos anos de prática e ensino da arte-luta.
Acreditamos que algumas das mais relevantes características da Angola a serem recuperadas para os dias de hoje são: a continuidade de jogo, em que os capoeiristas procuram explorar ao máximo a movimentação evitando interrupções na dinâmica do jogo; a importância das esquivas, fundamentais na Angola, em que o capoeirista evita ao máximo o bloqueio dos movimentos do adversário, procurando trabalhar dentro dos golpes, aproveitando-se dos desequilíbrios e falhas na guarda do outro; a capacidade de improvisação, típica dos angoleiros, que sabiam que os golpes e outras técnicas treinadas no dia-a-dia são um ponto de partida para a luta, mas precisam sempre ser moldadas rápida e criativamente à situação do momento; a valorização do ritual, que contém um enorme universo de informações sobre o passado de nossa arte-luta e que consiste em um grande patrimônio cultural.
A antiga capoeira marcava-se por um grande respeito aos rituais tradicionais, diferentemente do que ocorre nos dias de hoje. Atualmente, são raras as academias que adotam a denominação de Angola ou Regional para a capoeira que é ali praticada. E, entre as que se identificam como Capoeira Regional, poucas demonstram efetivamente relação direta com o trabalho desenvolvido por Mestre Bimba.
Na verdade, os mestres e professores de capoeira afirmam jogar e ensinar uma forma mista, que concilia elementos da Angola tradicional com as inovações introduzidas por Mestre Bimba. De fato, como afirmamos anteriormente, delimitar a separação entre essas duas escolas da capoeira é algo muito difícil hoje em dia, e há muitos anos sabe-se que a tendência é que a capoeira incorpore as características dessas duas escolas. No entanto, é fundamental que os capoeiristas conheçam a sua história, para que possam desenvolver sua luta de maneira consciente.
A Capoeira Angola e a Capoeira Regional estão fortemente impregnadas de conteúdo histórico, e não se excluem. Completam-se e fazem parte de um mesmo universo cultural.
Fonte: www.cdof.com.br
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